Há muitos, mas muitos anos atrás (também tantos não, porque não sou assim tão velha quanto isso), era eu uma moça disponível e liberta, sem qualquer tipo de "amarra", quando à saída do autocarro, um amigo espera-me e diz-me: "gostava muito de falar contigo agora, pode ser?"
"- Sim" - respondo-lhe com ar curioso e apreensivo, pela cara dele vi que seria assunto sério.
"- Sabes, há muito que ando para te dizer isto, mas hoje ganhei coragem e aí vai...gosto muito, mas mesmo muito de ti, conheço-te há muito tempo e fascina-me olhar-te, adoraria namorar contigo, és a mulher que eu queria ter ao meu lado um dia..."
Fiquei sem palavras, muda por alguns minutos, não esperava aquilo dessa pessoa, eramos amigos, mas nunca vi essa amizade para além disso.
"- Não dizes nada?" - pergunta-me ele.
"- Sim...digo...m...mas....apanhaste-me de surpresa..." - respondo-lhe eu sem saber o que dizer ao certo. Não o queria magoar, mas na realidade não nutria por ele o mesmo sentimento que ele nutria por mim na altura.
Calmamente, olhos nos olhos, disse-lhe: "- gosto muito de ti, somos amigos e espero que continuemos a sê-lo, mas nao quero nada mais além da nossa amizade."
"- Porquê, se estás disponível?" - pergunta-me ele. "Podemos tentar ao menos?" - insistia, indignado.
"- Não, desculpa, mas não, assim não quero."
Ele, com as lágrimas a cairem-lhe pelo rosto abaixo dizia: - "Podes até não ser minha um dia, mas se não o fores, também não quero mais nenhuma mulher, não quero mesmo"!
"- Não digas isso, ainda temos a vida toda à nossa frente e muita coisa irá acontecer" - tentava eu animá-lo em vão.
O meu coração ficou tão destroçado quanto o dele, e fiz um esforço enorme para não chorar também.
O meu não, apenas serviu para que nos afastassemos, não por iniciativa minha, mas dele, respeitei a decisão.
Os anos foram passando, (cerca de 16,17) a minha vida já organizada com tudo o que uma mulher pode desejar, continua, anda para a frente.
Mas a dele...
Num destes dias, ao vê-lo novamente, numa rua da minha cidade, cabizbaixo, abatido, triste...venho a confirmar que a vida dele já não é vida...que decidiu enveredar por outros caminhos, não sendo eles os mais saudáveis, vicíos incompreeensíveis...e de longe, sinto um aperto cá dentro, ao vê-lo naquele estado míseravel, sentindo-me culpada desta visão.